Mana Bernardes
Ritos do nascer ao parir
A poeta, designer e artista plástica Mana Bernardes apresenta no Festival de Felicidade no próximo dia 02 de novembro a performance coletiva de lançamento do seu livro Ritos do nascer ao parir (Bazar do Tempo), uma narrativa visceral, bordô, vermelho e rosa, sobre a sua vida. Mana vestirá com sua mãe, a poeta e arteterapeuta Rute Casoy, figura central do livro, dois vestidos de de papel unidos por uma enorme saia de 30 metros de tyvek – reciclado de um cenário criado por ela para um espetáculo de teatro. No grande vestido, os manuscritos da autora em suas mais de mil páginas de caderno ganham a cor bordô, impressos com tinta feita de beterraba, e na barra da grande saia cordas se transformam em cicatrizes, em cordões umbilicais. No centro, Rute e Mana iniciam a leitura unidas pela saia-mãe. Homens e mulheres convidados seguram as cordas e alternam seus lugares, chagando ao centro para assumir o protagonismo da leitura na performance-cortejo, acompanhados pelo músico Marcelo Jeneci em sua sanfona. O grupo sairá do xxxxxx às 17h, seguindo em cortejo até chegar na em frente ao palco, onde Mana seguirá o evento de lançamento, em tarde de autógrafos do livro. “Lançar algo é um parto, exige preparo, respiração, exercício para que o objeto novo possa entrar no mundo”, diz a autora.
Os interessados em participar da performance devem chegar no Espaço RPC no próprio dia 02 de novembro, a partir das 14h. As primeiras 16 pessoas farão parte da performance coletiva. Como figurino, Mana pede o uso de roupas lisas, em tons bordô, vermelho ou rosa. O grupo participará de uma oficina com a autora e o músico Marcelo Jeneci a partir das 14:30h, com duração de 2 horas. Os participantes recebem um exemplar no livro Ritos do nascer ao parir.
“Narrativa visceral” poética selvagem. Autobiografia rasgada emocionante. Devorei as quase 400 páginas do livro em 3 noites, com o coração disparado, me obrigando a parar, respirar e saborear. O ritmo da leitura seguia instintivamente o ritmo muscular acelerado entregue da escrita caligráfica nas mais de mil folhas de caderno da Mana.
Obra necessária em tempos de tamanha brutalidade. Mais do que nunca é preciso ‘prestar atenção’ – em nós mesmos, no outro, nas pequenas e nas mais frágeis coisas do mundo. Li outro dia esse artigo do João Moreira Salles (o professor da minha vida), “A respeito da força e da fragilidade”, na Piauí. Como ele didaticamente nos conduz, este é o ato mais radical de se opor à brutalidade. Prestar atenção ao que se apresenta frágil. E deixar surgir a empatia. E então a dissonância ganha corpo de resistência à força.
Não me aventuro a falar muito mais do artigo genial e poético (como todas as aulas do João), mas ele traz também o conceito de “enraizamento”, como necessário ao sentido de felicidade. Um sentimento de acolhimento no mundo. Que pode ser abalado pela desordem, o medo, a insegurança que nos desenraízam.
“Ritos do nascer ao parir” é um ato radical de resistência e de oposição à atual barbárie banalizada e institucionalizada em que vivemos. Porque é fruto do exercício genuíno de ‘prestar atenção’. De se olhar por inteira e se deixar olhar inteira entregue íntegra intimamente. E porque as memórias da Mana revelam a sua atenção, desde muito menina, sobretudo à beleza e à importância das coisas frágeis. E nos inspiram poeticamente a ‘prestar atenção’.
Não se trata de um livro sobre maternidade. Longe disso. Nem tão pouco uma autobiografia documental a partir dos fatos incrivelmente cinematográficos que ela viveu. No artigo da Piauí, o João pontua lindamente que “o descaso com os seres vulneráveis da Criação remete ao descumprimento de um último dever, que é o da solidariedade com quem ainda não nasceu”. O livro da Mana é um chamado de humanidade.
Ritos do nascer ao parir é “Útero do mundo”. “Enraizamento”.